E agora? Como faremos o transporte?
Em 30 de junho de 2023 tivemos o encerramento do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5322, ajuizada no STF pela CNTT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, contra alguns dispositivos da Lei dos Motoristas – Lei 13.103/2015, que na época criou um capítulo especial para os motoristas, dentro da CLT.
Este julgamento havia se iniciado em 15/09/2021, encerrando-se apenas agora.
Por 8 votos a 3, o STF declarou inconstitucional alguns dispositivos relevantes da Lei do Motorista, que permitiam uma melhor adequação à realidade dos motoristas e das estradas brasileiras. Em um país onde o transporte rodoviário de cargas é o principal meio de fazer os bens e insumos chegarem aos consumidores, a mudança legal, de 2015, tinha sido muito comemorada. Há muitos anos se aguardavam evoluções neste segmento.
Confesso que sob o aspecto estritamente legal a decisão do STF não surpreendeu. Porém, a decisão do STF está afastada da realidade social, econômica e de segurança do segmento. Fugindo da prática que tem adotado em outros temas, quando as questões políticas parecem mais fortes que as jurídicas, desta vez o julgamento foi exclusivamente técnico-jurídico: todo trabalhador tem direito de gozar 11 horas consecutivas de descanso dentre dois dias de trabalho. Mas será que isso é razoável para quem dorme dentro de um caminhão, parado em um posto de serviços?
Assim como o aeroviário, o ferroviário e o marinheiro da marinha mercante, o rodoviário também precisa ter uma legislação especial.
Mas, assim não entendeu a maioria dos ministros do STF, o que custará muito caro para a economia nacional.
Vejamos as mudanças já decididas pelo STF:
TEMPO DE ESPERA
O Art. 235-C, §8º, da CLT, criado pela Lei 13.103, previa que o tempo de espera, assim considerado aquele em que o motorista aguarda as operações de carga ou descarga e o período gasto com a fila para fiscalização de mercadoria, em barreiras fiscais ou aduaneiras, não deveria ser computado na jornada de trabalho, de maneira a permitir que o tempo de jornada/direção fosse preservado. Isto permitia que após carregar, descarregar ou atravessar uma barreira, o motorista pudesse seguir viagem, sem incluir na jornada as horas de fila (espera).
Apesar de não ser considerado como tempo trabalhado, o tempo de espera era indenizado à base do valor de 30% do valor da hora normal de trabalho, o que compensava o motorista pelo tempo parado em fila.
Assim, com a decisão que declara a inconstitucionalidade do dispositivo, as empresas perderam dois benefícios:
i) o de poder trafegar mais tempo, já que o tempo de espera não se computava na jornada de trabalho;
ii) pagar pelo tempo de espera um valor menor que o da hora comum e como verba indenizatória, sem encargos.
Dependendo das operações de transporte e logística, esta mudança tratará forte impacto no custo do frete, encarecendo a operação e, consequentemente, pressionando a inflação em toda a cadeia produtiva. Além do custo direto com o pagamento do tempo em fila igual ao efetivamente trabalhado, as viagens de ponto a ponto, serão mais lentas, pois o tempo de efetivo tráfego, em cada jornada do motorista, será menor, já que o tempo em fila passa a ser considerado na jornada diária e nos seus limites legais.
DESCANSO SEMANAL
Por meio do Art. 235-D, da CLT, era possível, nas viagens de longa distância, que o motorista gozasse o seu descanso semanal apenas quando do seu retorno à sua base e residência. Longe de casa ele poderia trabalhar e acumular até 3 descansos semanais, entendendo-se que essa forma de oferecer o descanso seria melhor que o motorista usufruir o descanso longe de casa e sem ter um lugar adequado. Ao retornar para casa o motorista poderia ficar 2 ou 3 dias consecutivos com a família.
A decisão do STF exige que o descanso semanal seja gozado da forma aplicada às demais categorias, isto é, o descanso semanal tem que ocorrer após seis dias consecutivos de trabalho. Isto significa dizer que em viagem, mesmo longe de casa, os motoristas terão que ficar 35 horas parados em algum posto de serviço, à beira da estrada.
Lamenta-se muito o fato, pois quem conhece os locais particulares de paradas (pois não existem os públicos previstos na Lei de 2015), sabe o quanto esses locais podem ser perigosos. Se a ociosidade em si já é um risco, 35 horas de ociosidade, em um posto de serviços, é muito mais arriscado e enfadonho. As empresas terão que fazer um forte trabalho com os motoristas, para que estes aceitem ficar tanto tempo parados em postos de serviços à beira da estrada e, como consequência, não terem o direito de ficar alguns dias em casa com a família, quando do retorno, pois ao retornarem, devem iniciar nova viagem, gozando da folga semanal em algum lugar da estrada.
Será que a decisão irá ajudar os motoristas?
DESCANSO INTERJORNADA – PERNOITE
Reconhecendo que ao fazer o pernoite em postos de serviços e dentro da cabine/cama do próprio caminhão, o legislador autorizava que os motoristas fracionassem seus intervalos interjornadas, desde que um deles tivesse pelo menos 8 horas. As horas remanescentes do intervalo deveriam ser usufruídas ao longo do dia.
Esta era uma realidade prevista em lei, conforme dispõe o Art. 235-C, §3º, que permitia ao motorista ficar menos tempo parado no posto de serviços durante o pernoite, permitindo que ao longo do dia, inclusive após as refeições, os motoristas pudessem fazer uma sesta, como, aliás é recomendado pela área médica, evitando a sonolência na estrada após refeições. Muitos motoristas ficavam 9 horas parados durante a noite e depois gozavam mais duas horas ao longo do dia, fazendo um descanso complementar.
Com a decisão do STF, os motoristas deverão ficar parados 11 horas consecutivas no ponto de parada, que em regra será um posto de serviço, o que não parece ser necessariamente um benefício ao trabalhador. Ficar 11 horas em casa é uma realidade boa; ficar 11 horas parado em um posto de serviços, para muitos profissionais, será mais um castigo do que um benefício.
Aqui o impacto negativo, assim como em relação à folga semanal, é maior para os próprios motoristas.
VIAGENS EM DUPLA NO CAMINHÃO
Também restou inviabilizada a viagem em dupla de motoristas no mesmo caminhão, já que agora, após a decisão, considera-se como tempo trabalhado o tempo em que o motorista está dirigindo, dormindo na cama da cabine ou sentado ao lado, como passageiro.
Pela decisão do STF, o descanso feito com o veículo em movimento não tem validade. Logo, se o caminhão trafegar por 12 horas, mesmo que cada motorista conduza o veículo por 6 horas, legalmente se irá considerar que cada motorista trabalhou 12 horas. Logo, além de inviabilizar que o caminhão trafegue 20 horas, por exemplo, mediante o revezamento dos motoristas, o que permitia que longas distâncias fossem percorridas em menor tempo, o custo com os motoristas passou a ser inviável. A cada hora do caminhão trafegando a empresa tem que pagar dois salários de motorista.
Cargas com prazo de entrega e com longas distâncias para percorrer, obrigatoriamente tinham que fazer uso de dois motoristas.
Isto agora terá um custo dobrado com o salário do trabalhador e, ao mesmo tempo, limita a quantidade de horas a serem percorridas, pois se assim não for respeitado, a empresa terá dois empregados com excesso de jornada ao mesmo tempo. Se antes o caminhão poderia trefegar até 20 horas, por exemplo, computando-se 10 horas para cada motorista, a partir de agora serão 20 horas de trabalho para cada motorista, o que é inegavelmente ilícito e inviável.
Todas as mudanças decorrentes da decisão ora comentada devem trazer um grande impacto no custo logístico do país. Há estimativas do setor que nas viagens de longa distância o impacto deve gerar um aumento na ordem de 30%.
Vale destacar que o Acórdão ainda não foi publicado e, portanto, a decisão ainda não transitou em julgado, sob o ponto de vista formal.
Aliás, ainda há grande apreensão sobre a questão, pois ainda há dúvida quanto à aplicação desta decisão; o processo judicial é de 2015 e a decisão de junho de 2023, mas ainda sem transitar em julgado. Logo, esta decisão irá gerar efeitos apenas após a sua publicação, ou ela apenas está reconhecendo uma inconstitucionalidade anterior?
Na prática, os atos praticados com base na lei até então vigente, são lícitos ou as empresas estão devedoras pelos atos praticados, agora reconhecidos como inconstitucionais?
Como se observa, ainda restam muitas dúvidas e esta modulação não aconteceu.
Nossa sugestão é para que as empresas já se adequem à nova realidade, admitindo as inconstitucionalidades declaradas pelo STF, pois isto não irá mais se alterar. Este é um fato novo que obriga a mudança logística das operações revisão de custos, contratos com os clientes e tudo que se faz necessário, diante da nova ordem jurídica do segmento.
Isto implicará uma revisão de todas as operações de transporte e logística, nas quais será necessário que transportadores, embarcadores e destinatários consigam melhorar a produtividade do segmento e rever suas rotinas.
Todos sabem que sem o transporte rodoviário o país para; sem rever todas as operações, o custo irá inviabilizar a logística.
Temos muito trabalho pela frente.
LUÍS CESAR ESMANHOTTO
Advogado