A influência da concessão de benefícios fiscais no comportamento do contribuinte
O objetivo deste trabalho foi analisar a potencial interferência das regras tributárias no comportamento dos contribuintes, ou seja, avaliar a possibilidade de os contribuintes, responderem estrategicamente aos incentivos gerados pelo sistema tributário, principalmente quando da concessão de benefícios fiscais.[1]
- O COMPORTAMENTO DO CONTRIBUINTE FRENTE A SUAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS
Os estudos sobre os efeitos da tributação nas mais variadas relações sociais são constantes. A carga tributária, quando muito elevada, por exemplo, pode exercer papel trágico, incentivando o aumento da economia informal e do desemprego, além de contribuir para a diminuição do setor produtivo.
Não obstante os efeitos gerados pela tributação, não se pode esquecer que o Estado precisa de financiamento, pois, afinal, todo direito tem custo. Desta premissa, constata-se que o Estado é necessário e que sua existência tem um custo que deve ser partilhado por todos os integrantes da sociedade, por meio da imposição de tributos.
Entretanto, não é porque seja um “mal inevitável” que o sistema tributário deva ser ineficiente, ao permitir desperdícios e ainda gerar incentivos aos agentes para adotarem condutas estratégicas no sentido do não recolhimento dos tributos.
Desse modo, sabendo que as normas jurídicas são criadas para induzir determinados comportamentos e reprimir outros, conforme sejam valorados, como “bons”’ ou “ruins” pelo formulador de políticas públicas, temos presente no ordenamento jurídico brasileiro, o sistema de preços, que baliza o comportamento humano, que no Direito são as recompensas/sanções tais como incentivos, multas e prisões para os diversos comportamentos.
Pode-se então afirmar, que se as normas que instituem incentivos fiscais pretendem encorajar comportamentos que, em princípio, não seriam realizados, ou seriam insuficientes, visando em última instância à promoção de direitos fundamentais.
É possível justificar a utilização desses benefícios, à medida que sejam empregados como meio para se atingir os fins constitucionalmente estipulados, admitindo-se, até mesmo, em alguns casos, a restrição de outros direitos fundamentais, como a igualdade.
No entanto, há críticas com relação a “indústria dos benefícios fiscais,” posto que esses apresentam-se como puras despesas fiscais que privilegiam certos grupos mais influentes, realizando redistribuição de riqueza de forma invertida e não extensível a todos, perdendo sua característica de verdadeiros benefícios.
E quando analisado o comportamento do contribuinte, pode-se observar uma inclinação ao inadimplemento dos deveres fiscais. Os contribuintes, muitas vezes, não se sentem “motivados psicologicamente” ao cumprimento das suas obrigações tributárias, e tal desânimo é justificado alegando-se que o pagamento dos tributos não traz qualquer espécie de retribuição, posto que os serviços públicos continuam tendo uma qualidade ruim. O dilema vivido toma maior forma quando o Estado carece de recursos para fazer face às despesas com saúde, previdência, segurança, educação, fomento, pesquisa, etc.
Existem condicionantes variadas para o cumprimento de uma obrigação tributária pelo cidadão. Um dos elementos mais importantes é o fator da coação, dado este estar sempre presente nos impostos. Isso porque, os indíviduos ao serem tributados, estão de certa forma também coagidos, uma vez que não pagariam os seus impostos de forma expontânea, posto que estes reduzem o seu rendimento e sua riqueza. Esta coação pode ser socialmente aceite em maior ou menor grau, dependendo, além da sua moral, da recompensa que este tributo trará para si, e da própria moral dos entes tributantes.
Então, o comportamento dos contribuintes está relacionado com a ideia de que estes têm de si, mesmo enquanto cidadãos, a qual está ligada à noção da sua posição de classe, relativa aos grupos sociais e ao Estado em que se encontram inseridos, determinando a realidade fiscal.
Lamentavelmente, na prática, a ação de lobistas de diversos setores da economia tem conduzido a uma política de favorecimento tributário deste ou daquele setor, inclusive, quebrando a espinha dorsal do regime econômico da livre iniciativa, fundado no princípio da livre concorrência, isso porque aproveitam-se das diversas possibilidades de concessão de benefícios fiscais, supostamente, legitimidados. Essa competição consome recursos reais da economia e reduz os recursos para a produção, e, com isso, a produção acaba menor e o bem-estar social reduzido.
Apesar disto, a concessão de benefícios fiscais representa a consolidação da intervenção estatal na iniciativa privada para estabelecer os rumos da economia, mediante norma jurídica de direção econômica a serviço do desenvolvimento de interesse do país ou de determinada região ou setor da economia. Por isso, os benefícios fiscais, como importantes mecanismos de intervenção, têm ampla previsão constitucional e infraconstitucional.
Como incentivo econômico, social e cultural, os benefícios fiscais representam as vantagens conferidas aos sujeitos em relação a uma verificada conduta, que em condições normais seria realizado em menor escala, seja tanto pela via do sistema fiscal como financeira, notadamente com caráter dinâmico.
No entanto, a intervenção estatal no desenvolvimento econômico pela concessão de benefícios fiscais não pode configurar formação de riqueza individual, mas pode ensejar na formação de empresas cujo capital seja dividido pelo número significativo de pessoas. A fúria arrecadatória empreendida algumas vezes pelo governo pode ser aniquiladora da propriedade privada e, consequentemente, das riquezas que possam ser alcançadas pela tributação.
O respeito aos princípios da transparência e da igualdade são importantes para a natureza das ajudas ou dos benefícios fiscais concedidos às empresas pelo Estado, de modo que todos os interessados possam ter acesso na mesma condição. Vejamos a seguir como respondem os contribuintes no Brasil frente a suas obrigações tributárias quando da concessão de benefícios fiscais.
- O comportamento do contribuinte brasileiro quando da concessão de benefícios fiscais
É de conhecimento geral que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo. Quando há concessão de benefícios fiscais, o contribuinte brasileiro sempre comemora, sem, no entanto, saber primeiro o que são efetivamente benefícios fiscais e em segundo lugar, que esse é um dos mecanismos que União, Estados e Municípios utilizam para aumentar a arrecadação.
Justificativa para este fenômeno é que o Brasil não dispõe de uma tradição em políticas públicas estáveis, compreendidas como planejamento em longo prazo das ações estatais, não sendo possível uma consolidação funcional do Estado para o desenvolvimento do país.
No que concerne aos benefícios fiscais, estes vêm cumprindo seu papel com o crescente progresso das regiões incentivadas, levando-se em conta o desenvolvimento das cidades, criando-se novas possibilidades para o aprimoramento do bem-estar da população em geral, em decorrência do processo de industrialização proporcionado pelos benefícios fiscais concedidos.
Por outro lado, erigiu o alicerce jurídico para a conhecida Guerra Fiscal, acirrando disputas entre os Estados, pois o fator motivador para concessão de incentivos fiscais surge com a Constituição Federal (CF) ao atribuir a cada estado o poder de fixar de forma autônoma as alíquotas do ICMS, visto que este imposto se constitui na base da receita estadual.
Mesmo assim, a atribuição de benefícios fiscais, constitui instrumento de política econômica ao serviço da prossecução de objetivos de interesse geral do Governo brasileiro: como emprego, a coesão econômica e social ou o desenvolvimento ambiental sustentável.
No entanto, são recorrente as edições de leis que estabelecem benefícios fiscais sem atender as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Lei Complementar nº 101/2000, no desígnio do sujeito passivo promover a regularização dos débitos tributários. Some-se ainda a adoção de benefícios fiscais de forma ininterrupta ao longo dos anos, visando apenas o volume de receita derivada para carrear os cofres públicos. Tal conduta excessiva, e muitas vezes ilegal, acaba por tropeçar no princípio da isonomia. Não se pode admitir que um programa de incentivo desestimule o contribuinte a arcar tempestivamente com seus compromissos tributários, incorrendo em externalidades negativas para todo o sistema fiscal.
Importante é analisar a admissibilidade de um benefício fiscal, tal como normatizado pela LRF, dependendo este da análise dos objetivos de eficiência e equidade, e se estes superam os efeitos negativos sobre a concorrência.
Vemos que as consequências desta concorrência fiscal entre os entes internos da federação, podem comprometer o pacto federativo e contrariam as regras de comércio internacional, porque provocam desigualdades entre os agentes de mercado, tanto interna quanto com outros países. O ente federado que ganha o investimento em seu território impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. A relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalada, numa possível perda para toda a Federação.
Voltando os olhos para os contribuintes, do mesmo modo que fazem nas relações privadas, tendem a fazer a análise de custo-benefício de todas as suas condutas frente ao fisco. Deste modo, analisando o comportamento do contribuinte brasileiro, o desânimo no cumprimento de suas obrigações tributárias é nótorio, e a inclinação ao inadimplemento dos deveres fiscais é presente em todas as searas. Verifica-se que parte abundante da população sequer tem condições econômicas para o custeio de suas necessidades fundamentais, quanto mais para contribuir para o erário público.
No tocante a necessidade dos serviços públicos, este é inversamente proporcional à condição econômica do sujeito, sendo que aqueles mais ricos, que em princípio teriam melhores condições de contribuir para o financiamento das atividades estatais, são exatamente os que dela menos necessitam.
Presentemente, a maioria dos estados utiliza-se do sistema tributário para conseguir ambas finalidades fiscais e extrafiscais, garantindo o equilíbrio econômico, tutelando o meio ambiente, reduzindo desigualdades sociais, entre outros tantos objetivos econômicos e sociais, atribuindo à tributação a execução de um papel que vai além da mera arrecadação de receita pública.
Desta forma, a extrafiscalidade é aplicada como forma de política econômica, destinando‐se, por exemplo, ao desincentivo a saúde (álcool e fumo) com a alta tributação de ICMS e IPI (seletividade em função da essencialidade do produto), pois a extrafiscalidade encontra‐se adstrita ao interesse público.
Outra medida amplamente utilizada pelo Governo Brasileiro são os parcelamentos fiscais e a utilização de alíquota zero. No auge da crise econômica de 2008, o Governo Brasileiro reduziu as alíquotas de alguns tributos, sobretudo os impostos flexíveis para tentar diminuir custos e garantir, alguma, lucratividade a setores importantes da economia. A finalidade da medida, evidentemente, era manter o equilíbrio econômico, ante a esperança de prosperidade. No entanto, para algumas empresas, apesar de recebido o benefício, mantiveram cortes significativos de mão de obra.
Quanto aos parcelamentos fiscais, ficaram conhecidos como REFIS desde o ano de 2006, e no ano de 2017 ganharam a nova roupagem de PERT (Programa Especial de Regularização Tributária) que visam à regularização de crédito fiscal da União, mediante a regularização fiscal de empresas devedoras.
Fincado no valor da livre iniciativa, facilita que empresas em dificuldade se reorganizem, quando a sequência ordinária de atos administrativos fiscais levaria à propositura da execução forçada dos débitos, cobrados de uma só vez, com a possível expropriação dos bens do devedor.
Os parcelamentos especiais representam para os governos a oportunidade de aumentar suas receitas e diminuir o imenso estoque de dívidas tributárias acumulado na carteira da Administração Tributária, mas com pouca perspectiva de recebimento num prazo razoável. Do outro lado, encontraram firmas atoladas em dívidas tributárias com intermináveis discussões jurídicas e administrativas.
Entretanto, tais programas têm efeitos muito além de um mero acerto de contas entre governo e empresas. Intuitivamente, é de se supor um enfraquecimento na boa cultura tributária de apurar e pagar espontaneamente e no prazo estabelecido os tributos devidos.
Ora, se ao deixar de pagar seus tributos o contribuinte pode ser premiado com um parcelamento futuro, que com suas benesses represente um valor presente menor do que aquele correspondente ao recolhimento espontâneo, é possível que ele não cumpra com sua obrigação corrente. Os resultados confirmam a intuição.
A aplicação da metodologia de pesquisa sugere que a concessão de parcelamentos reduz a propensão do contribuinte em pagar impostos de maneira significativa. O hiato tributário – que é a diferença entre a arrecadação prevista em legislação, a arrecadação potencial legal – e a que efetivamente ingressa nos cofres públicos estimado sem concessão de parcelamentos é de cerca de 30%, mas este aumenta em até quatro pontos percentuais diante da oferta de programas de refinanciamento de dívidas tributárias, como no caso do REFIS. Somente após longo tempo é que a propensão a pagar tributos espontaneamente retorna ao seu valor natural.
Não se trata então, de medida adequada do ponto de vista da política tributária, seja pelo seu impacto negativo sobre o cumprimento espontâneo da obrigação tributária, seja pela ineficiência e pouco resultado que traz sobre a arrecadação. O mecanismo de parcelamentos tributários é inadequado como forma de aumentar as receitas e prover os incentivos corretos aos contribuintes. Muito mais desejável é que a Administração Tributária brasileira concentre seus esforços na modernização e melhoria dos seus sistemas de cobrança administrativos e judiciais.
E não são só os parcelamentos. A concorrência entre os Estados, a atividade intensa de lobistas, o favorecimento de específico setor, atividade ou empresa, e devido a proliferação de legislação sobre a matéria, em que os benefícios são variáveis e os conceitos nem sempre são claros, o sistema acaba sendo muito complexo e pouco eficiente, trazendo problemas de várias ordens: geram dificuldades de interpretação e aplicação da lei fiscal, tencionam a relação entre os contribuintes e o fisco, aumentam a conflitualidade, acarretam elevados custos na gestão dos sistemas fiscais que, são suportados com o dinheiro dos impostos pagos pelos contribuintes, ainda são fontes de instabilidade, erratismo legislativo, incongruências e de excessivo tecnicismo das normas, sujeitando os cidadãos e agentes econômicos a soluções fiscais de conjuntura, afetando a justiça e a efetivação de garantias.
Necessário então, uma administração diligente dos incentivos fiscais e uma fiscalização do cumprimento por parte dos beneficiários das finalidades e condições para os quais os mesmos foram concedidos. Tão-somente desta forma se pode ter certeza que os custos bancados pela perda da receita fiscal foram compensados pelos benefícios. A nebulosa realidade descrita, está presente no sistema tributáro brasileiro.
Por isso, o uso correto do dinheiro público demonstra a seriedade da arrecadação, porém, permanecendo a gestão financeira de forma obscura, parcial e em favorecimento de uma minoria, afasta cada vez mais o contribuinte de uma consciência tributária e do seu dever de pagar impostos.
Elucidando, a concessão do benefício fiscal, com fundamento no aumento da arrecadação, desvirtua-se de toda construção doutrinária e da sua legalidade, esbarrando assim com a sua inconstitucionalidade, bem como servindo de desincentivo ao pagamento dentro do prazo das obrigações fiscais do sujeito passivo.
Por fim, os benefícios fiscais devem ser coerentes e compatíveis entre si, devendo consubstanciar a tradução da política fiscal clara e objetiva, para alcançar os fins pretendidos. Defendemos a ideia dos benefícios ficais, que podem ser importantes instrumentos de regulação e adequação da carga tributária, se mantida em níveis toleráveis, permitindo a renovação de riquezas tributarias e garantindo a sobrevivência e manutenção do Estado. Não só os benefícios fiscais, mas toda política econômica, para ser eficaz, deve ser harmônica e compatível entre os instrumentos que a conformam.
Autora: Carolina Chaves Hauer – Advogada Sócia do Escritório G.A Hauer & Advogados Associados. Mestre em Direito Fiscal/Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Revalidado e Reconhecido pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
[1]Íntegra do artigo publicado na Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 4 (2018), nº6, p. 389-431 disponível online: http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/6/2018_06_0389_0431.pdf